A Câmara dos Deputados aprovou no dia 7 a redação final do Projeto de Lei 198/24, que autoriza a continuidade de processos de divórcio mesmo após a morte de um dos cônjuges. A proposta, de autoria da deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), altera o Código Civil para permitir que o falecimento de uma das partes não encerre automaticamente a ação de separação, possibilitando que os herdeiros do falecido deem prosseguimento ao processo.
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O projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) em caráter conclusivo, o que dispensa nova votação no plenário da Câmara. Agora, o texto segue para o Senado Federal.
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A relatora, deputada Maria Arraes (Solidariedade-PE), afirmou que a medida “protege a autonomia da vontade e evita que situações indesejadas prejudiquem o direito do falecido e de seus herdeiros”. Segundo Maria Arraes, a proposta reflete um entendimento cada vez mais consolidado na Justiça, que busca harmonizar o direito civil com a realidade das relações familiares contemporâneas.
A discussão ganhou força após decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em junho de 2024, que reconheceu por unanimidade a possibilidade de decretar o divórcio mesmo após a morte de um dos cônjuges, desde que a ação já tivesse sido proposta.
Segurança jurídica
Na prática, o projeto de lei busca corrigir uma lacuna que, por anos, causou insegurança jurídica em casos de casais separados de fato, mas não formalmente divorciados, segundo o advogado e professor Jaylton Lopes Jr., especialista em direito patrimonial de família e sócio do escritório Agi e Santa Cruz Advocacia. Ele explica que a jurisprudência atual nem sempre oferece proteção suficiente na hora do processo de herança.
“Muitos casais se separam na vida real e não formalizam o divórcio. A lei atual permite que, se um deles morrer antes da sentença, o processo seja extinto, e o sobrevivente ainda seja considerado viúvo, com direito à herança. O projeto vem justamente para evitar esse tipo de distorção”, afirma o advogado.
Segundo ele, a medida garante que a vontade de se divorciar, manifestada formalmente em juízo, produza efeitos patrimoniais, mesmo que a morte de um dos cônjuges ocorra antes da conclusão do processo.
“Quando a pessoa manifesta a intenção de se divorciar, já não há mais reflexos patrimoniais dessa relação, a não ser sobre os bens que ela já tinha direito. O juiz pode reconhecer essa vontade e decretar o divórcio com efeito retroativo à data do pedido”, explica Lopes Jr.
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A proposta tem forte impacto nas questões sucessórias e de partilha de bens. Isso porque o divórcio pós-morte permitiria delimitar com precisão a data da separação de fato, ponto essencial em inventários e disputas envolvendo herdeiros.
“Imagine um casal separado de fato há dois anos, mas ainda sem divórcio formal. Se um deles morre durante o processo, que é longo, e o falecido tivesse comprado um novo apartamento para morar, haveria uma grande discussão sobre a partilha do bem com o parceiro que não tem mais direito à herança. Com a nova regra, o processo pode continuar e o juiz decide com base na data em que houve o pedido de divórcio”, explica o advogado.
União estável
Na avaliação do especialista, o texto também se aplica às uniões estáveis, já que essas relações muitas vezes não são formalizadas em cartório e enfrentam as mesmas incertezas patrimoniais em caso de falecimento durante uma ação de dissolução.
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A expectativa é de que a nova regra reduza disputas familiares e traga mais previsibilidade às partilhas de bens e aos inventários, além de evitar situações em que uma pessoa, já separada de fato, ainda seja tratada como cônjuge para fins de herança. “A vida real é mais dinâmica do que o Código Civil consegue prever. O projeto apenas formaliza algo que os tribunais já vinham reconhecendo: a necessidade de o direito se adaptar à realidade das pessoas”, disse Lopes Jr.
Próximos passos
O Projeto de Lei 198/24 agora segue para o Senado Federal, onde será analisado em comissões antes de ir à votação. Se aprovado sem alterações, o texto será encaminhado à sanção presidencial. Uma vez sancionada e publicada, a nova lei entra em vigor imediatamente, oferecendo respaldo legal a casos que hoje dependem da interpretação dos juízes.